Mercado Alternativo
Gustavo Poppe, CEO da Confiance Invest, explora o mercado de investimentos alternativos
Resolução da CVM impulsiona mercado de equity crowdfunding no Brasil
A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) alterou suas regras para emissão pública de ações de empresas de pequeno porte. A resolução CVM 88 facilitou o investimento nessas emissões e a projeção é que o mercado de investimentos alternativos e equity crodfunding cresça aqui no Brasil.
08/11/2023 14:39
A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) alterou suas regras para emissão pública de ações de empresas de pequeno porte. A resolução CVM 88 facilitou o investimento nessas emissões e a projeção é que o mercado de investimentos alternativos e equity crodfunding cresça aqui no Brasil.
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Para garantir a segurança do investidor, a legislação determinou um limite de R$20 mil para investidores não qualificados que tenham renda ou patrimônio inferior a R$200 mil e criou a figura do Investidor Líder para reduzir a defasagem de conhecimento existente entre a emissora e os investidores, ou assimetria informacional, como rege a resolução 88 em seu artigo 46.
- O que são investimentos alternativos
- O Mercado Global de Investimentos Alternativos
- O Incipiente Mercado de Equity Crowdfunding no Brasil
- Como reagiu o mercado após a modificação da legislação?
O que são investimentos alternativos?
O mercado de investimentos alternativos, segundo a Judge Business School da Universidade de Cambridge, abrange as atividades financeiras digitais online que emergiram fora do sistema bancário e do mercado de capitais tradicionais. É composto principalmente por vários modelos de dívida, investimento e doações que são transacionados por meio de marketplaces digitais online.
Os principais modelos de dívida são os empréstimos P2P (peer to peer), de pessoas e instituições para negócios e pessoas, com ou sem garantia. Os modelos de investimento se enquadram em Equity Crowdfunding e representam compra de participações em negócios, o financiamento a projetos imobiliários e a emissão de títulos que oferecem participação no lucro ou nas receitas gerados por empresas ou projetos.
No Brasil, tais modelos são disponibilizados pelas plataformas de investimento registradas na CVM, regulamentadas em 2017 pela Instrução 588. Posteriormente, em 2022, esta foi alterada pela resolução 88, que trouxe várias melhorias para o mercado: elevou limites de captação e de receita dos emissores, aprimorou governança e possibilidades de marketing, além de permitir que as plataformas (ou marketplaces) atuem como intermediadoras na negociação subsequente de títulos já emitidos publicamente, o que gera liquidez e potencial saída de investidores antes do vencimento. Veremos adiante os efeitos iniciais do aprimoramento dessa regulação.
O Mercado Global de Investimentos Alternativos
De 2015 a 2020, último dado global disponível, o mercado global (sem considerar a China, onde a alta volatilidade foi fortemente influenciada por mudanças regulatórias) passou de US$44 para US$113 bilhões, um crescimento de 20,7% ao ano.
A parte mais relevante do mercado global é composta por transações de dívida P2P, cujos principais modelos ocuparam as seis posições de liderança no ranking global e representaram, em 2020, 84% do total do volume transacionado, excluindo a China. Os modelos de Equity Crowdfunding, nosso foco aqui, representaram pouco abaixo de 4% do total ou US$4,4 bilhões, menos do que absorveu o segmento de doações, que atingiu 6% do total em 2020, o que demostra o potencial de crescimento desse segmento.
O destaque em Equity Crowdfunding em 2020 foi o segmento imobiliário, que representou 63% do total, com US$2,8 bilhões. O de participação societária atingiu 35%, com US$1,6 bilhão. Para se ter uma base de comparação, o mercado de investimento Seed (capital semente) e de Early Stage (estágio inicial) em 2020 atingiu US$100 bilhões, portanto o Equity Crowdfunding representou menos de 2% do total investido em negócios em estágio inicial.
O Incipiente Mercado de Equity Crowdfunding no Brasil
O mercado de investimento alternativo no modelo Equity Crowdfunding no Brasil é composto por 64 plataformas de investimento registradas na CVM. Não abrange, portanto, portais de correspondentes bancários que realizam distribuição digital para instituições financeiras reguladas pelo Banco Central, dado que por serem instrumentos bancários tradicionais, não se enquadram na definição de investimento alternativo apesar de sua distribuição ser digital e online.
Uma característica interessante do investimento alternativo sob o ponto de vista do investidor, é que esse assume cada vez mais o papel de protagonista na gestão de seus recursos. Tal protagonismo traz mais risco, pois é o próprio investidor que identifica e analisa os valores mobiliários a serem adquiridos e na maioria das vezes o investidor não tem treinamento ou experiência profissional nessa área, mesmo os considerados qualificados – os que têm mais de R$ 1,0 milhão em investimentos financeiros.
É por esse motivo que a legislação determinou um limite de R$20 mil para investidores não qualificados que tenham renda ou patrimônio inferior a R$200 mil e criou a figura do Investidor Líder para reduzir a defasagem de conhecimento existente entre a emissora e os investidores, ou assimetria informacional, como rege a resolução 88 em seu artigo 46. O Investidor Líder deve apresentar sua tese de investimento e pode ainda atuar como interlocutor entre a empresa emissora e os investidores e, por esse motivo, pode receber uma taxa de desempenho paga pelos investidores sobre ganhos que excederem um benchmark definido no momento do investimento.
Como reagiu o mercado após a modificação da legislação?
Com base em dados extraídos do site da CVM, vimos que 19 ofertas públicas foram finalizadas no primeiro semestre de 2023 (1S23), em comparação a 22 ofertas no primeiro semestre de 2022 (1S22). Em relação ao volume efetivamente captado, houve uma relativa estabilidade, tendo passado de R$28,4 milhões para R$28,1 milhões entre o 1S22 e 1S23.
Apesar da redução da quantidade de ofertas finalizadas com sucesso, o volume médio de captação se elevou em 14% de R$1,30 milhão para R$1,48 milhão. Comparativamente, o % de captação efetivo em relação ao máximo pretendido também subiu de 82,2% para 93,5% entre 1S22 e 1S23. Isso, somado à redução do prazo de captação que descrevo a seguir, demonstra uma melhor eficiência no processo de captação, que pode ter sido resultado da maior flexibilidade no marketing da nova regulamentação e do processo de aprendizado das próprias plataformas.
Existem em andamento, na data da redação deste texto, mais de R$130 milhões em ofertas iniciadas em 2022 e 2023 que ainda não foram oficialmente encerradas. Pelos meus cálculos, como uma oferta não pode permanecer aberta por mais de 180 dias, como prevê o art. 3º da Res.88/2022, e já estamos em julho de 2023, as 31 ofertas que somam pouco mais de R$75 milhões iniciadas em 2022 já deveriam ter sido canceladas. É razoável admitir que algumas das 28 ofertas iniciadas em 2023 – que somam R$55 milhões – terão sucesso e esse deverá ser um ano de crescimento.
Desde que a nova resolução entrou em vigor em maio de 2022 até o final de junho deste ano, apenas uma oferta encerrou a captação de forma bem-sucedida com volume acima do limite anterior de captação de R$5 milhões. Interessante notar que sete ofertas em andamento que se iniciaram nesse ano buscam superar esse limite. Elas já representam 63% do total do volume máximo alvo das ofertas abertas, o que indica que na medida em que o mercado amadurecer, o volume total captado tenderá a crescer de forma relevante.
O prazo de captação das ofertas bem-sucedidas iniciadas em 2022 atingiu 80,4 dias. Em 2023, esse prazo oficialmente se reduziu para 45,6 dias, o que demonstra uma maior eficiência no processo de captação. Entretanto, como algumas ofertas estão sendo iniciadas, canceladas e posteriormente reabertas, algumas vezes no mesmo dia, o prazo que acredito ser mais correto seria ajustado para 88,4 dias em 2022 e 50,8 dias em 2023, mas que também reflete o mesmo comportamento de mais eficiência.
Houve uma maior participação de investidores qualificados nesse semestre, de 60% do total captado em relação a 53% no 1S22. O ticket médio investido dessa categoria aumentou 62% e passou de R$14 mil para R$22,8 mil por oferta. Por outro lado, investidores que têm renda inferior ou patrimônio inferior a R$200 mil também tiveram um crescimento de 18% para 21% de participação no montante total captado, com manutenção do volume médio investido de R$2,5 mil por oferta.
Vemos então que o aumento dos limites estabelecidos na nova resolução 88 ainda não resultou em um forte crescimento do volume total captado. Entretanto, duas tendências importantes poderão ter um impacto positivo nos próximos anos: maior participação de investidores líderes e a expansão do segmento de captação para projetos de diversos tipos, como imobiliários, energia renovável, agrícolas e florestais, o que pode levar a esse segmento superar o de startups, como ocorre no mercado global.
Atualmente na área imobiliária, empresas emissoras de pequeno porte que não têm projetos que demandam elevados volumes não conseguem acessar o mercado de CRI, em função do elevado custo de emissão de tais títulos no mercado de capitais tradicional. O mercado de CRI, que goza de isenção tributária e é privativo das securitizadoras, no ano de 2022 superou os R$50 bilhões, em 677 emissões, com volume médio de R$70 milhões por emissão. Um crescimento de 44,4% ao ano desde 2017. As emissões de Equity Crowdfunding, como acontece no mercado global, poderão participar ativamente desse mercado, com foco nas empresas de pequeno porte e oferecerem uma alternativa de baixo custo e rápida colocação, o que poderá contribuir para a redução das taxas atualmente praticadas. Seria ótimo se os investidores que participassem de ofertas dessas empresas menores, tivessem também o mesmo benefício da isenção de IR que existe para os CRIs emitidos por grandes empresas.
Com um mix de emissão que contemple mais projetos e uma maior participação de investidores líderes que tragam conhecimento, experiência e recursos para ancorar transações mais relevantes, em pouco tempo o mercado de Equity Crowdfunding poderá atingir níveis bem acima do que vemos atualmente e se aproximar dos volumes bilionários vistos nos principais países no mercado global.
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