Vozes de Mercado

Artigos de opinião sobre economia e investimentos, por diversos autores

Deflação! Apesar dos juros!

O “dragão” da inflação, um ilustre desconhecido da geração Z ou dos “millenials”, voltou a assombrar a economia brasileira desde a pandemia. 

icone de relogio 27/10/2022 13:57

O texto abaixo traz trechos do artigo "Inflação! Apesar dos juros!", do economista Aurélio Valporto, presidente da Abradin (Associação Brasileira de Investidores), exclusivo para leitores do Monitor do Mercado.

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Após um período de forte inflação, setembro de 2022 registrou o terceiro mês, consecutivo, do que está sendo chamado de “deflação”. Mas o que são esses fenômenos? Por que estão ocorrendo? É o que vamos ver ao longo deste artigo.

O “dragão” da inflação, um ilustre desconhecido da geração Z ou dos “millenials”, voltou a assombrar a economia brasileira desde a pandemia.  Foi claramente uma inflação de custos, que teve como pilares a alta no preço dos alimentos e da energia, especialmente da energia química, os combustíveis, que têm seus preços ditados pela Petrobrás, sem esquecer da desvalorização cambial que afeta o preço de todos os importados.

Como a inflação andava desaparecida, é bom lembrarmos o que é inflação. Inflação é o fenômeno econômico definido como o aumento generalizado e contínuo dos preços. Então temos aqui duas condições que devem ocorrer simultaneamente para que o aumento no índice seja considerado inflação: o aumento nos preços deve ser generalizado, atingindo todos ou praticamente todos os preços da economia, além disso não pode ser sazonal, tem que ser um evento contínuo. De forma análoga, deflação é a redução generalizada e contínua dos preços. O que isso significa? Significa que nem sempre um aumento no índice de preços é inflação, assim como nem sempre uma redução no índice de preços é deflação. O índice de preços é composto por uma cesta teórica de produtos e existem diversas destas cestas teóricas, que resultam nos diferentes índices, como o IPCA, o IGP, o INPC etc. Isso porque a variação nos preços não é a mesma para todos! Então há índices especializados em setores da economia como, por exemplo, o INCC, que verifica a variação dos preços na construção civil, já o INPC procura refletir a variação nos preços que afeta o consumo típico de famílias com renda de 1 a 5 salários mínimos.

Como a variação nos índices de preços não é a mesma para todos, pode ocorrer, por exemplo, que uma elevada variação no preço do chuchu e seus derivados atinja em cheio seu vizinho, que gosta do vegetal, mas se você não é um consumidor, essa variação não vai afetar seu poder de compra.  Repare que se um aumento de preços atingir apenas chuchu e seus derivados não se trata de aumento generalizado, portanto não poderemos chamar de inflação, muito embora vá se refletir em um aumento no índice de preços, como o INPC, uma vez que o legume faz parte da sua cesta teórica. De forma errônea esta variação para cima no INPC, provocada por poucos itens da sua cesta relacionados ao chuchu, será rotulada de “inflação” pelos meios de comunicação. De forma igualmente errônea, estes índices de preço são também rotulados de “índices de inflação”, na verdade são índices de preços, que podem ou não refletir uma inflação.

A economia moderna funciona sob um sistema de trocas, se você é médico, por exemplo, e cobra o equivalente a 10 kg de tomates por consulta, significa que o seu produto (o serviço de consulta médica) tem, em dado momento, esta relação de troca com os tomates. Mas isso não significa que você queira receber em tomates, ou que o mecânico de seu automóvel queira trocar o conserto do seu carro por uma consulta médica. Foi para facilitar esse sistema de trocas que surgiu o dinheiro, que por si só não possui nenhum valor intrínseco atualmente. O dinheiro vale porque as pessoas sabem que podem trocar por qualquer coisa na economia, é um denominador comum nas relações de troca e evitam que o médico vá ao mercado propondo trocar suas consultas por alimentos e vice-versa.  São essas relações de valor de troca entre produtos da economia que definem os famosos “preços relativos”, 1 kg de chuchu vale tantos kg de tomate que valem tal percentual de uma consulta ao dentista e tanto de um serviço de barbearia (aqui abro um parêntesis para lembrar que “produto” é gênero, do qual são espécies os bens e os serviços, é muito errado escrever “produtos e serviços”, como se serviço não fosse produto).  

É a relação de troca, os preços relativos, que é alterada quando alguns produtos têm seus preços alterados em proporções diferentes de outros. Na prática os preços relativos não permanecem estáticos, ainda quando a variação no índice de preços é perto de zero, os preços devem variar sutilmente entre si, mas mantendo, em linhas gerais, a estrutura de preços relativos que, mais uma vez, são as relações de trocas entre os produtos. Um elevado aumento de preços de sorvetes enquanto os demais preços da economia permanecem virtualmente estáticos, provoca uma alteração nos preços relativos, afinal, para comprar sorvete você precisará dar em troca uma maior parcela do que você mesmo produz, desembolsando mais para comprá-lo. Entretanto, se você não for um consumidor de sorvetes, ou, melhor ainda, cortá-lo de sua dieta, esse aumento nos preços dos sorvetes não trará nenhum impacto para sua vida. Poderá até ser bom para a saúde da sociedade que vai passar a consumir menos sorvetes.

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TIVEMOS INFLAÇÃO DE CUSTOS!

No exemplo do parágrafo anterior, o sorvete é claramente um bem supérfluo, que pode ser tranquilamente cortado do consumo sem praticamente nenhum impacto sobre o conforto material da sociedade. Há, entretanto, produtos cuja alteração nos preços tem grande impacto em toda a estrutura de preços relativos, são produtos essenciais para a existência da própria sociedade como a conhecemos e de grande impacto sobre a formação de preços de toda a economia. O principal deles é um bem de consumo imediato chamado energia.  Quando falamos em energia, a primeira coisa que nos vem à cabeça é a energia elétrica, oriunda, majoritariamente, das usinas hidrelétricas, mas é um erro. A matriz energética brasileira é proveniente, na sua maior parte, dos combustíveis, mais de 75% vem deles, conforme o gráfico a seguir.

A energia é absolutamente essencial para a existência da economia moderna, fazendo uma comparação do organismo econômico com o humano, é como o ar que você respira (que é o comburente para seu corpo produzir energia) se parar de respirar morre! Então, se cobrassem das pessoas pelo ar que respiram, elas pagariam, por mais caro que fosse. O mesmo ocorre com a energia, como é essencial para a atividade econômica, dizemos que sua demanda é inelástica em relação ao preço. Isso quer dizer que o seu consumo praticamente não se reduz, ou se reduz em um percentual muito menor que o aumento dos preços. É por isso que a maioria das economias modernas impõem alguma forma de controle sobre os preços da energia. Porque se deixar o preço a critério dos monopólios ou oligopólios (que é o que ocorre na prática na produção de energia) deste setor, estes cobrarão preços abusivos, sacrificando o desenvolvimento da economia.  

Energia é necessária para produzir quase tudo e, no caso do Brasil, um país de enormes dimensões e de relevo difícil, cerca de 1/3 de toda e energia consumida no país é demandada pelo setor de transportes, dominado pelo modal rodoviário, que carrega 61,1% das cargas, seguido do ferroviário com 20,7% e navegação com 13,6%. Esses três modais representam, portanto, mais de 95% de toda a carga transportada no país. E os que eles têm em comum? A dependência de derivados de petróleo como fonte de energia, o diesel para o transporte rodoviário e ferroviário (as locomotivas são na maioria diesel-elétricas) e o óleo pesado para navios.

Pois bem, de 2018 até o final de julho de 2022 o óleo diesel, principal fonte de energia para a logística nacional, subiu nada menos que 240%, saindo de R$ 2,35 para R$ 8,00, o percentual de aumento do óleo pesado para navios não foi muito diferente. Para agravar este quadro, a energia elétrica brasileira passou ser a uma das mais caras do mundo, a segunda mais cara em relação à renda per capta, conforme estudo da ABRACE (Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres).

A seguir temos um gráfico que ilustra a evolução dos preços da energia elétrica em relação à inflação medida pelo IPCA. Observemos a brutal aceleração nos preços, em especial após 2016, descolando completamente da correção monetária. Hoje a tarifa residencial é cerca de 100% maior do que deveria ser se fosse corrigida pelo IPCA, já a industrial é cerca de 200% maior. 

O brutal aumento nos preços das diferentes formas de energia foi o principal motivo da elevada inflação que o Brasil vivenciou desde o final de 2020 a julho de 2022. A energia, como vimos, é essencial e de demanda inelástica, atingindo direta ou indiretamente toda a atividade econômica do país. Esta é a chamada inflação de custos, em que os custos da produção afetam o sistema de preços.

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À MERCÊ DA CONJUNTURA INTERNACIONAL

Se foi essa conjuntura econômica internacional a grande responsável pela doença que resultou na inflação brasileira recente, com a disparada no preço do petróleo e alta dos alimentos, também foi ela que, com a recente queda do preço do petróleo e das commodities agrícolas, a grande responsável pelo controle da inflação no Brasil, resultando em índices ligeiramente negativos nos meses de julho, agosto e setembro de 2022. Apesar de negativos, creio que não devemos chamar de deflação, que tem uma conotação muito ruim – a deflação é um fenômeno generalizado e contínuo, normalmente relacionado à insuficiência de demanda e a fortes recessões. Prefiro chamar nosso quadro nesses três meses de virtuosa reacomodação de preços relativos. 

Se o Brasil é autossuficiente em Petróleo, tendo uma das produções mais baratas do planeta, com o barril extraído do pré-sal, custando na casa dos US$ 3, e tendo gradação superior ao Brent, porque o país está sujeito à flutuação meramente especulativa do preço do petróleo no mercado internacional? Um mercado que tem sua cotação controlada por um cartel internacional, a OPEP+, que reúne os grandes exportadores de petróleo? O Brasil já tem como segundo item da pauta de exportação o petróleo e é o único grande exportador de petróleo do mundo que pratica internamente não só a cotação internacional, mas, como já vimos, preços superiores à cotação internacional, porque inclui fictícios custos de importação. A política de preços praticada pela Petrobrás é economicamente criminosa e é, individualmente, a maior responsável pela doença que atingiu em cheio a economia nacional e que resultou em desemprego de milhões de brasileiros, inflação, desespero e morte de outros incontáveis nacionais.

O Brasil também é autossuficiente em alimentos e um dos maiores exportadores mundiais de grãos e proteína animal. Tem a agricultura de larga escala entre as mais eficientes do planeta, bem como o maior rebanho comercial do mundo.  É igualmente absolutamente inadmissível que uma alta no mercado internacional atinja os brasileiros que sustentaram os investimentos da EMBRAPA para que hoje o país tivesse essa posição privilegiada. Uma disparada nos preços internacionais dos alimentos não pode resultar em lucros abusivos para poucos empresários da agropecuária e levar o país a uma doença que deixou milhões de brasileiros passando necessidades alimentares e ser um dos grandes causadores da inflação recente.

O mesmo podemos dizer da energia elétrica, o Brasil possui um fantástico sistema interligado e o seu relevo nos propicia uma geração hidrelétrica de baixíssimo custo. Hoje, mais de 70% da geração elétrica do Brasil repousa nas hidrelétricas. Tendo uma das gerações mais baratas do planeta, é igualmente inadmissível que o país tenha a segunda conta de luz mais cara do mundo em relação à renda per capta.

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E A ALTA DOS JUROS?

Não podemos finalizar este artigo sem mencionar a enorme alta dos juros promovida pelo Banco Central para supostamente combater a inflação. Já vimos que a inflação é um sintoma de diferentes doenças, assim como a febre, e que para cada doença um remédio adequando deve ser usado. Vimos também que a alta dos juros tem como consequência reduzir a demanda, tanto pela redução do consumo como pela redução do investimento. Mas a alta dos juros tem outras consequências. As empresas possuem passivos, dívidas, isso é normal nas empresas, daí que a elevação das taxas de juros afeta diretamente os custos financeiros que impactam toda a atividade econômica de forma muito negativa. O juro, assim como a energia e os alimentos, é outro preço básico da economia, que a todos afeta.    

Sabemos que a inflação que vitimou nosso país recentemente foi uma inflação de custos, porque teve como causa a elevação dos custos de produção da economia. Essa elevação de custos vem acompanhada, também como vimos anteriormente, por uma redução na demanda, daí a pergunta: Se a alta dos juros reduz a demanda, que já estava baixa, e aumenta os custos da economia, que já está pressionada por aumentos de outros custos, porque o Banco Central aumentou os juros? Qual a lógica por trás disso?

A resposta à pergunta do parágrafo anterior, infelizmente é: Por erro. Os juros são definidos pelo COPOM, o Comitê de Política Monetária, órgão do Banco Central, formado pelo seu Presidente e diretores. Infelizmente é comum entre esses membros o raciocínio simplista de que se houver inflação, a restrição na demanda provocada pela alta dos juros irá ajudar a controlar este fenômeno, independente de qual seja sua causa.

No caso brasileiro, a elevação dos juros teve o efeito justamente contrário, o de colocar mais um componente na ciranda inflacionária de custos e o de agravar a crise econômica que já sofria com a redução da demanda. Apesar de tudo, não há nenhuma evidência de que o Banco Central tenha aprendido com seu erro, pelo contrário, tenho visto alguns economistas, próximos à autoridade monetária, vaticinando que a inflação cedeu apenas por causa dos juros, não pela queda nos preços do petróleo, da energia elétrica e dos alimentos. Isso não é apenas lamentável, é na verdade extremamente preocupante que o Banco Central esteja tomando medidas sem a menor conexão lógica com a realidade econômica e que a tendência seja a de continuar assim. A inflação cedeu, mas apesar dos juros, e não por causa deles.

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