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Guedes encontrou “ganso dos ovos de ouro” na tributação de dividendos
A poucos dias do segundo turno, o presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, informou que pretende custear parte do programa “Auxílio Brasil” por meio da cobrança do imposto de renda sobre dividendos, que incidiria apenas sobre as distribuições individuais que ultrapassassem R$ 400 mil por mês.
28/10/2022 16:54
*Bruno Minoru Takii
A poucos dias do segundo turno, o presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, informou que pretende custear parte do programa “Auxílio Brasil” por meio da cobrança do imposto de renda sobre dividendos, que incidiria apenas sobre as distribuições individuais que ultrapassassem R$ 400 mil por mês.
Como de costume, não foram dados maiores detalhes pelo chefe do Executivo, mas, a depender da forma que isso for operacionalizado, há reais chances do objetivo ser atingido, sem maiores efeitos colaterais sobre a competitividade do país, desde que o alvo da vez sejam os dividendos remetidos ao exterior.
De acordo com informações do Banco Central, as empresas estrangeiras com atividade no Brasil remeteram às suas matrizes no exterior o montante de US$ 22,4 bilhões em dividendos no ano de 2021, o que equivale a R$ 119,39 bilhões pela cotação atual. Tais valores não foram tributados por aqui, porém, muito provavelmente o foram no exterior, uma vez que, além do Brasil, apenas Letônia e Lituânia não tributam a distribuição de lucros.
Se a alíquota média no exterior for equivalente à praticada pelos Estados Unidos, de 30% (a título de informação, há outras bem maiores, com a adotada por Alemanha e Reino Unido, de 45%), isso significa que o Fisco brasileiro poderia ter arrecadado com essas operações cerca de R$ 36 bilhões só em 2021, o que não ocorreu e, por isso, esse montante foi dividido entre os mais diversos países em que se encontram as matrizes das multinacionais.
Este é um dos raros casos em que o aumento da carga tributária no Brasil, se for assim implementado, não resultará em oneração da atividade empresarial, uma vez que, por força dos acordos internacionais tributários e pelo princípio da reciprocidade tributária, adotado pelos países aderentes às guideliness da OCDE, o imposto de renda pago em um país pode ser utilizado como crédito para compensação com o débito apurado no outro, relativamente ao mesmo fato gerador do imposto.
Para que o tributo a ser criado alcance a sua máxima eficiência sem que, com isso, leve à perda de competitividade do país, basta que a lei a ser editada estabeleça que os dividendos remetidos ao exterior devam ser tributados à mesma alíquota do país de destino dos recursos, ou seja, igualando-se o crédito ao débito no estrangeiro, o saldo a recolher no exterior será igual a zero.
Como não haverá a oneração das atividades das empresas multinacionais, tais empresas não se prestarão a fazer reestruturações societárias para elisão tributária e, também, é bem provável que um projeto de lei assim encaminhado não encontre resistência para ser aprovado no Congresso Nacional, não se podendo dizer o mesmo, contudo, se o sedutor e populista critério a ser utilizado for apenas o “alto valor” do dividendo.
Veja que, se a hipótese de tributação for o mero recebimento, por pessoa física ou jurídica, de dividendo em valor superior a R$ 400 mil por mês, empresas que se estruturam na forma de grupos econômicos – o que é o caso de todas as empresas atuantes no mercado de capitais - serão invariavelmente oneradas pelo novo tributo, mesmo que na ponta final, o investidor receba valores muito inferiores a isso.
Tal fenômeno ocorrerá porque, para que o recurso chegue aos beneficiários finais, há a necessidade de distribuições intermediárias vultosas, das controladas para as suas controladoras, e assim sucessivamente, até se chegar à empresa holding.
Aliás, caso esse tributo deletério seja implementado sem se pensar nesse fluxo financeiro existente nos grupos econômicos – o que não é incomum em termos de legislação tributária brasileira -, corre-se o risco real de se criar um tributo com cumulação em cascata e, por conseguinte, inviabilizar o financiamento das empresas via bolsa de valores.
Está bastante claro que o ministro Paulo Guedes encontrou um “ganso dos ovos de ouro” na tributação dos dividendos. Agora, resta saber se o Estado brasileiro se limitará a colher os frutos desse achado ou se, por populismo barato que tem contaminado este país há décadas, se arriscará a levar também o ganso à panela.
*Bruno Minoru Takii é socio da área tributária no escritório Diamantino Advogados Associados.
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